Episode Transcript
[00:00:15] Speaker A: Bem-vindo ao Base por Base, o podcast que leva descobertas genômicas aonde você estiver. Já parou pra pensar que o nosso corpo tá, tipo, consertando o próprio DNA milhares de vezes por dia? Assim, quietinho?
[00:00:28] Speaker B: É um trabalho constante e invisível, né?
[00:00:31] Speaker A: Exato. Agora imagina uma pequena falha nesse sistema. Coisa boba, um dano causado pelo próprio metabolismo, pelo oxigênio, mas que pode levar a mutações que causam câncer.
[00:00:42] Speaker B: É aí que a coisa complica.
[00:00:44] Speaker A: Pois é. E tem uma enzima específica chamada MUTY, que é tipo a faxineira para um erro bem particular. Mas e se a comunicação dentro dessa maquininha falhar? Não quebrar a peça, sabe? Mas cortar o fio que liga uma parte na outra.
[00:01:00] Speaker B: Como isso poderia desligar a enzima? É uma pergunta interessante.
[00:01:04] Speaker A: E aumentar o risco de câncer. Hoje, a gente vai mergulhar numa análise de um estudo que conseguiu, assim, espiar dentro da emute actiumana e achou uma rede de sinais internos surpreendente e essencial para a função dela.
[00:01:18] Speaker B: Sim, e aqui vale celebrar o trabalho do pessoal liderado por Carlos H. Trasvinha Arenas, Sheila S. David, G. André Cisneros e Martin P. Horvath. E das universidades deles, né? Califórnia Davis, Texas Indalas, Utah.
[00:01:34] Speaker A: Com certeza.
[00:01:35] Speaker B: A pesquisa deles deu um belo empurrão para a gente entender como essa enzima vital funciona e o que acontece quando ela, bom, não funciona direito.
[00:01:43] Speaker A: Para entender a importância disso, acho que vale a pena dar um passo atrás e falar do dano no DNA, né?
[00:01:48] Speaker B: Fundamental! Nosso DNA está sempre sob ataque, digamos assim. E um tipo bem comum de dano é o oxidativo, que cria uma lesão chamada oito-oxo-guanina. Vamos chamar de OG para facilitar.
[00:02:01] Speaker A: OG, ok. E qual o problema dessa OG?
[00:02:04] Speaker B: O problema é na hora de copiar o DNA para a divisão celular. A maquinária pode confundir essa OG com outra base, a timina.
[00:02:12] Speaker A: Ah, uma troca de identidade molecular.
[00:02:14] Speaker B: Exatamente. E essa confusão leva a um tipo específico de mutação, uma base G-C que vira T-A. Isso é super comum em vários tipos de câncer.
[00:02:24] Speaker A: Entendi. E é aí que a M-U-T-I deveria entrar em ação.
[00:02:27] Speaker B: Isso. Ela faz parte de um sistema de reparo chamado reparação por incisão de bases. A função dela é bem específica, achar onde uma adenina, um A, foi parar no lugar errado, pareada com essa lesão OG, e cortar fora essa adenina.
[00:02:43] Speaker A: E se ela não faz isso direito por causa de uma mutação nela mesma?
[00:02:46] Speaker B: Aí temos problemas sérios. Mutações que a gente herda na MUTIH causam uma síndrome chamada polipose associada à MUTIH, ou MAP. Isso! Quem tem MAP tem um risco altíssimo de câncer coloretal, mas também está ligado a outros tipos de câncer. Já se sabia que a MUTY usam os ajudantes metálicos, sabe? Um aglomerado de ferro e enxofre, aquele 4F4S, e um íon zinco.
[00:03:15] Speaker A: Ah, sim. Para ajudar a segurar o DNA, né?
[00:03:18] Speaker B: Ajudar a segurar, sim. Mas o papel exato deles na reação química do reparo, isso ainda era meio nebuloso.
[00:03:25] Speaker A: E como foi que os pesquisadores foram investigar isso mais a fundo?
[00:03:29] Speaker B: Eles usaram, assim, uma combinação bem poderosa de técnicas. Primeiro, conseguiram uma imagem tridimensional, uma estrutura super detalhada, da MUTY humana inteira, ligada no DNA danificado. E isso usando cristalografia de raio-x.
[00:03:46] Speaker A: Uau! A primeira foto dela nesse momento-chave.
[00:03:50] Speaker B: Exato! Com uma resolução altíssima, 1.9 angstroms. Mas não pararam na foto, claro.
[00:03:57] Speaker A: Foram testar na prática, imagino.
[00:03:59] Speaker B: Sim, fizeram ensaios no laboratório, in vitro, para medir atividade mesmo. Pegaram 12 versões diferentes da Emutix.
[00:04:08] Speaker A: Versões encontradas em pacientes com câncer?
[00:04:10] Speaker B: Isso, variantes associadas ao câncer e que ficam ali perto daquele aglomerado de ferro enxofre. Testaram se elas conseguiam cortar a adenina errada e se conseguiam se ligar ao DNA.
[00:04:21] Speaker A: Além disso?
[00:04:22] Speaker B: Usaram testes em bactérias, E. coli, para ver se essas variantes conseguiam evitar mutações dentro da célula viva, em vivo. Verificaram também se elas ainda tinham os metais, usando espectrometria de massa com plasma indutivelmente acoplado, e se a proteína estava dobrada corretamente, com o dicruísmo circular.
[00:04:42] Speaker A: E simulações de computador?
[00:04:43] Speaker B: Também. Simulações de dinâmica molecular para ver como a estrutura se mexe e interage ao longo do tempo. bem completo.
[00:04:50] Speaker A: Tá, e o que essa investigação toda revelou? Chegamos na parte mais surpreendente, né?
[00:04:55] Speaker B: Com certeza. A estrutura detalhada mostrou algo que ninguém esperava direito. Uma rede de conexões, tipo pontes de hidrogênio, que atravessa uma parte da enzima, uma distância até que longa, uns 20 angstroms.
[00:05:09] Speaker A: Uma rede? Tipo um circuito?
[00:05:11] Speaker B: Exato! Ligando o quê? Liga o aglomerado de ferro em enxofre por um ponto específico, uma cisteína a 290 até o lugar onde a mágica acontece, o sítio catalítico onde está o aspartato 236 que faz o corte.
[00:05:26] Speaker A: Passando por outros pontos no meio?
[00:05:28] Speaker B: Isso, passando por outros dois resíduos-chave. Uma arginina 241 e uma asparagina 238. É como se fosse um fio passando por esses pontos.
[00:05:39] Speaker A: Uma linha de comunicação interna. E as versões mutantes, aquelas variantes de câncer, ajudaram a provar que essa linha é importante?
[00:05:46] Speaker B: Totalmente. A maioria das variantes que eles testaram, bom, elas perdiam aglomerado de ferro e enxofre. E aí, claro, não conseguiam mais reparar o DNA, nem se ligar direito nele.
[00:05:56] Speaker A: Ok, isso faz sentido. Perdeu uma peça-chave.
[00:05:59] Speaker B: Mas a grande sacada veio com duas variantes específicas, a R241Q e a N238S, justamente as que afetam aqueles elos da corrente de comunicação, a arginina-241 e a asparagina-238.
[00:06:19] Speaker A: Peraí, essas duas não perdiam o aglomerado?
[00:06:21] Speaker B: Não perdiam. Elas mantinam o aglomerado de ferro enxofre e olha só, ainda conseguiam se ligar ao DNA danificado.
[00:06:30] Speaker A: Ué, mas então por que são variantes de câncer? Elas deveriam funcionar, não?
[00:06:35] Speaker B: Pois é, mas não funcionavam. Elas conseguiam pegar o DNA, segurar ele, mas na hora de fazer o corte químico, nada. Completamente inativas, mortas para a catálise.
[00:06:48] Speaker A: Caramba, isso é forte. Quer dizer que a rede não serve só para deixar a enzima estável ou para ela agarrar o DNA.
[00:06:55] Speaker B: Exatamente. Ela é crucial para a ação, para a catálise em si. É como você falou antes, né? Ter o motor e os pneus, mas o cabo do acelerador está cortado. O carro não anda.
[00:07:07] Speaker A: Então, o aglomerado de ferro enxofre funciona como um sensor, talvez, que manda um sinal por essa rede.
[00:07:15] Speaker B: Tudo indica que sim. Ele não é só uma peça estrutural, um tijolo ali. Ele faz parte do que a gente chama de rede alostérica.
[00:07:23] Speaker A: Alostérica quer dizer que um evento num lugar afeta outro lugar distante na molécula.
[00:07:29] Speaker B: Isso. A ligação da enzima no DNA, lá perto do aglomerado, dispara um sinal por essa rede que vai até o sítio catalítico e diz, ok, pode cortar agora. Essa comunicação interna regula a atividade da enzima.
[00:07:43] Speaker A: Nossa, isso muda tudo sobre como a gente via essas mutações como a R241Q e a N238S. Elas causam a doença não porque quebram.
[00:07:53] Speaker B: A enzima, mas porque silenciam ela, interrompendo essa comunicação interna vital. É um defeito de sinalização.
[00:08:01] Speaker A: Fascinante. E abre outras portas, imagino.
[00:08:04] Speaker B: Abre sim. Pensa só. Talvez essa rede permita que a enzima responda a outros sinais da célula. Por exemplo, o estado químico do aglomerado pode mudar se a célula está sob estresse oxidativo.
[00:08:16] Speaker A: E isso ativaria a enzima bem na hora que ela é mais necessária.
[00:08:19] Speaker B: Poderia ser um mecanismo assim. Por outro lado, essa sensibilidade da rede pode ser um ponto fraco. Talvez explique como a inflamação crônica, que gera muito estresse oxidativo, acaba contribuindo para o câncer, talvez danificando essa rede sutilmente.
[00:08:34] Speaker A: E pensando em futuro, talvez dê para mirar nessa rede com medicamentos?
[00:08:40] Speaker B: É uma possibilidade para pesquisa futura, com certeza. Entender essa regulação fina é chave. Acho que a mensagem principal aqui é, a MUTH não é uma ferramenta simples. Ela usa uma rede de comunicação interna bem sofisticada.
para controlar a atividade dela com precisão. E a interrupção dessa rede, mesmo por mutações que parecem pequenas, pode calar a enzima completamente.
[00:09:11] Speaker A: Isso revela um nível de controle interno que talvez a gente encontre em outras enzimas de reparo também, né? Fica a pergunta no ar.
[00:09:18] Speaker B: Exato! O que essa descoberta sobre a comunicação interna na MTY pode ensinar pra gente sobre como outras guardiões do nosso genoma são reguladas? E quem sabe como a gente pode, no futuro, mirar nelas terapeuticamente? Este episódio foi baseado em um artigo de acesso aberto sob a licença CCBI 4.0. Você pode encontrar um link direto para o artigo e a licença na descrição do episódio. Se achou esta análise valiosa, avalie com 5 estrelas no seu app de podcasts favorito e torne-se membro para receber os episódios antes de todo mundo. Acompanhe também a versão em inglês deste podcast, o Base by Base. Obrigado por ouvir e até o próximo Base por Base.