Episode Transcript
[00:00:15] Speaker A: Bem-vindo ao Base por Base, o podcast que leva descobertas genômicas aonde você estiver. Já parou pra pensar, assim, o que acontece quando algumas células do nosso sangue meio que acham um jeito de enganar o envelhecimento, sabe? Ganham uma vantagem, começam a se multiplicar mais?
[00:00:31] Speaker B: É uma ideia intrigante, né?
[00:00:33] Speaker A: Pois é. Mas e se essa força toda, na verdade, escondeu uma fraqueza? Uma fragilidade que ninguém esperava?
[00:00:41] Speaker B: Exato.
[00:00:42] Speaker A: Hoje a gente vai fundo nisso. Como mutações bem discretas podem dar esse gás competitivo para as células-tronco do sangue, um processo que a gente sabe que está ligado a doenças do envelhecimento, mas como isso funciona de verdade? E mais importante, será que dá para reverter?
[00:00:59] Speaker B: Olha, pra começar, é fundamental reconhecer o trabalho da equipe liderada por Jennifer J. Trowbridge e, claro, seus colaboradores de várias instituições de peso, como o The Jackson Laboratory, o Princess Margaret Cancer Center, Albert Einstein College of Medicine. Foi um esforço conjunto bem importante.
[00:01:18] Speaker A: Com certeza.
[00:01:19] Speaker B: O estudo deles deu uma luz fundamental sobre como essas mutações específicas, sabe, mexem com as nossas células-tronco hematopoéticas, as que formam o sangue, principalmente conforme a gente envelhece.
[00:01:31] Speaker A: Certo. Então, para todo mundo ficar na mesma página, com o tempo pode surgir um fenômeno chamado hematopoiese clonal. É isso, né?
[00:01:40] Speaker B: Isso. Basicamente é quando um clone, um grupo de células-tronco e progenitoras hematopoéticas, que são as células mestras do sangue, começa a dominar o pedaço.
[00:01:50] Speaker A: E por quê?
[00:01:51] Speaker B: Por causa de mutações que elas vão acumulando. E as mais comuns, de longe, são num gene chamado DNMT3A.
[00:01:58] Speaker A: DNM3A, ok. E o que ele faz?
[00:02:02] Speaker B: Esse gene, o DNM3A, ele produz uma enzima-chave. Ela coloca umas marquinhas químicas no DNA, um processo chamado mitilação. Isso ajuda a controlar se os genes ficam ligados ou desligados, tipo um interruptor.
[00:02:17] Speaker A: Entendi. E essa hematopoese clonal, essa expansão, é um problema?
[00:02:23] Speaker B: É, pode ser. Aumenta o risco de problemas sérios, tipo alguns cânceres no sangue, doenças cardiovasculares também. O mistério era, por que exatamente essas células com mutação ganham essa vantagem toda? Especialmente no cenário de envelhecimento, que não tem uma inflamação óbvia rolando. Era um quebra-cabeça.
[00:02:43] Speaker A: Tá, faz sentido, mas como é que os pesquisadores foram atrás dessa resposta? Qual foi a estratégia, as ferramentas que eles usaram para desvendar essa relação complexa entre mutação, idade e metabolismo da célula?
[00:02:58] Speaker B: Então, eles tiveram uma abordagem bem completa, sabe? Primeiro, usaram um modelo de camundongo que tinha uma mutação específica no gene DMT3A, a versão do camundongo para esse gene humano.
[00:03:10] Speaker A: Certo, um modelo animal.
[00:03:11] Speaker B: Exato. Aí fizeram transplantes competitivos de medula óssea. Colocaram células normais e mutantes para competir, lado a lado, em camundongos jovens e também naqueles com níveis baixos de um fator de crescimento, o IGF-1. Isso meio que imitava algumas características do ambiente envelhecido.
[00:03:28] Speaker A: Ah, interessante essa simulação do envelhecimento. E para medir o metabolismo?
[00:03:33] Speaker B: Aí que tá. Eles mediram como as células usavam energia, focando muito na respiração das mitocôndrias. Usaram ensaios de fluxo extracelular, uma técnica chamada Seahorse, para ver o consumo de oxigênio e outras coisas.
[00:03:47] Speaker A: E a parte molecular? Como viram o efeito da mutação no DNA e nos genes?
[00:03:51] Speaker B: Bom, para entender a metilação, fizeram um sequenciamento de bisulfito do genoma completo. É uma técnica que mapeia justamente aquelas marcas no DNA. E para ver quais genes estavam ativos ou não, fizeram análise de transcriptoma, o RNA-Seq.
[00:04:07] Speaker A: Entendi.
[00:04:08] Speaker B: E não parou aí. Testaram também o efeito de inibidores metabólicos, tipo a oligomicina, que trava a produção de energia na mitocôndria. E usaram as moléculas mais direcionadas, que vão direto para a mitocôndria, como o mitoque, e os derivados de uma coisa chamada trifenilfosfônio, o TPP.
[00:04:25] Speaker A: TPP. E com células humanas fizeram algo?
[00:04:28] Speaker B: Fizeram sim, para confirmar. Usaram células-tronco e progenitoras hematopoéticas humanas, onde eles diminuíram artificialmente a função do DNM3A. Isso foi crucial para ver se o efeito se mantinha.
[00:04:40] Speaker A: Uau, bem completo mesmo. Ok, então, com toda essa investigação, quais foram as grandes descobertas? O que saltou aos olhos?
[00:04:49] Speaker B: Bom, primeiro, eles confirmaram o que já se suspeitava.
As células-tronco e progenitoras hematopoéticas com a mutação DNM3A realmente têm uma vantagem competitiva em ambientes que imitam o envelhecimento. Elas se expandem mais, dominam.
[00:05:07] Speaker A: E essa vantagem veio mesmo do metabolismo diferente que você mencionou?
[00:05:11] Speaker B: Sim, e aqui está o ponto central, o mais fascinante. Essa vantagem está ligada diretamente a uma maior atividade das mitocôndrias, Essas células mutantes, elas respiram mais, metabolicamente falando, e têm uma capacidade maior de aumentar essa respiração se precisar, uma reserva maior.
[00:05:31] Speaker A: Como a mutação naquele gene, o DNM3A, causa isso? Qual a conexão?
[00:05:38] Speaker B: Então, a mutação faz a enzima perder a função dela. Sem a metilação funcionando direito, o DNA fica com menos marcas em certas regiões. Fica hipometilado.
[00:05:49] Speaker A: Menos metilado?
[00:05:50] Speaker B: Isso. E eles viram que essa hipometilação acontecia justamente em genes ligados à fosforilação oxidativa.
[00:05:57] Speaker A: Que é o processo de gerar energia na mitocôndria.
[00:06:00] Speaker B: Exatamente. Com menos metilação nesses genes, eles ficam mais ativos. A usina de energia trabalha mais.
[00:06:07] Speaker A: Então as mitocôndrias dessas células ficam, tipo, turbinadas? Superativas?
[00:06:12] Speaker B: Funcionalmente, é uma boa analogia. Elas mostraram um potencial de membrana mitocondrial mais elevado. É uma medida da carga de energia da mitocôndria. que a gente chama de ΔΨm. O interessante é que não tinha mais mitocôndrias, nem a forma delas mudava muito. A diferença era na função mesmo, nessa voltagem interna maior.
[00:06:34] Speaker A: Então, a característica que dá vantagem para elas acaba sendo também um ponto fraco que revira a volta. Essa voltagem maior tem alguma consequência prática para a célula?
[00:06:46] Speaker B: Exato, essa é a sacada. Esse potencial de membrana elevado torna as células mutantes mais dependentes da respiração mitocondrial para sobreviver e por isso mesmo ficam mais sensíveis a inibidores como aquela oligomicina que mencionei. Mas a descoberta mais, digamos, direcionada veio com outras moléculas como o mitoque e aqueles derivados de TPP.
[00:07:11] Speaker A: O que elas têm de tão especial?
[00:07:13] Speaker B: Elas têm uma carga positiva e uma estrutura química que faz com que sejam atraídas e se acumulem preferencialmente dentro das mitocôndrias, que têm esse potencial de membrana mais alto.
[00:07:24] Speaker A: Elas vão direto para as mitocôndrias das células mutantes. Por que estão mais carregadas? Um direcionamento quase natural?
[00:07:31] Speaker B: É isso aí! Elas se concentram muito mais nas mitocôndrias das células mutantes de NM3A do que nas células normais.
[00:07:39] Speaker A: Genial! E o que acontece quando elas se acumulam lá dentro?
[00:07:42] Speaker B: Bom, esse acúmulo seletivo atrapalha a respiração mitocondrial e, o mais importante, dispara a apoptose, a morte celular programada, mas de forma específica nas células mutantes.
[00:07:55] Speaker A: Mata só as mutantes.
[00:07:57] Speaker B: Principalmente elas. Com isso, a vantagem competitiva delas vai por água abaixo. Isso foi visto tanto em testes no laboratório com formação de colônias, quanto nos próprios camundongos envelhecidos. A expansão clonal diminuiu.
[00:08:10] Speaker A: Incrível! E funcionou em células humanas também? Você disse que testaram.
[00:08:14] Speaker B: Funcionou. E isso é super importante, claro. O mesmo efeito de vulnerabilidade foi visto nas células progenitoras humanas com o DNT3A silenciado. Isso sugere que esse mecanismo, essa fraqueza, é conservado entre as espécies, o que aumenta a relevância para a gente. Então, amarrando tudo isso, o que a gente vê é que essa atividade mitocondrial orientada, especialmente esse potencial de membrana alto, não é só uma curiosidade. É um mecanismo-chave que dá a vantagem seletiva para células com mutação em DNMT3A na hematopoiese clonal.
[00:08:46] Speaker A: Isso realmente parece uma vulnerabilidade que dá para explorar com remédios. A própria fonte da força delas é o calcanhar de Aquiles metabólico.
[00:08:56] Speaker B: Precisamente. Abre uma janela terapêutica bem interessante. Moléculas como o mitoque e aqueles derivados de TPP que eles estudaram surgem como candidatos promissores. O mitoque, por exemplo, já foi até testado em humanos para outras coisas, em fase 2, e mostrou um perfil de segurança razoável. E tem mais, pode até ter um benefício duplo.
[00:09:19] Speaker A: Duplo? Como assim? Explica isso.
[00:09:21] Speaker B: É que, além de mirar nas células mutantes, o mitoque também é um antioxidante. Em teoria, ele poderia até ajudar as células-tronco normais, que também sofrem com o estresse do envelhecimento, sabe? É uma possibilidade intrigante, mas claro, ainda é cedo para afirmar.
[00:09:36] Speaker A: Entendi. Mas tem desafios, né? Limitações.
[00:09:39] Speaker B: Com certeza. É preciso ter cautela. A gente precisa de mais estudos para definir dose certa, quanto tempo dura o efeito, efeitos colaterais a longo prazo. Ainda mais pensando que a hematopoese clonal, sozinha, não é uma doença ativa. É mais um fator de risco. E vale lembrar que já existem outros remédios aprovados, como a metformina para diabetes e o tamoxifeno para câncer de mama, que também afetam as mitocôngrias. Talvez eles possam ser investigados nesse contexto também.
[00:10:09] Speaker A: Certo. Então, para resumir a história toda, as células-tronco do sangue, que ganham mutações comuns no envelhecimento, tipo no DNMT3A, elas se destacam, ganham vantagem, porque as mitocôndrias delas ficam superativas. É isso?
[00:10:25] Speaker B: Exatamente.
[00:10:26] Speaker A: Mas essa hiperatividade toda é, na verdade, o ponto fraco delas que pode ser explorado.
[00:10:31] Speaker B: É isso aí. Moléculas que são atraídas especificamente para essas mitocôntrias mais carregadas conseguem eliminar seletivamente essas células mutantes. Isso abre um caminho novo para pensar.
[00:10:44] Speaker A: Em estratégias Fica então a pergunta, né? O que essa compreensão tão detalhada do metabolismo dessas células significa para o futuro? Para desenvolver, talvez, intervenções que possam não só frear essa expansão clonal, mas quem sabe até rejuvenescer o nosso sistema sanguíneo e diminuir os riscos de doenças do envelhecimento, atacando diretamente a fonte de energia das células. Este episódio foi baseado em um artigo de acesso aberto sob a licença CC-BI 4.0. Você pode encontrar um link direto para o artigo e a licença na descrição do episódio. Se achou esta análise valiosa, avalie com 5 estrelas no seu app de podcasts favorito e torne-se membro para receber os episódios antes de todo mundo. Acompanhe também a versão em inglês deste podcast, o Base by Base. Obrigado por ouvir e até o próximo Base por Base.