Episode Transcript
[00:00:14] Speaker A: Bem-vindo ao Base por Base, o podcast que leva descobertas genômicas aonde você estiver. Hoje a gente vai mergulhar fundo numa história fascinante, que está nos nossos próprios genes. Vamos falar dos nossos parentes extintos, os Neandertais e Denisovanos. A ideia é entender o que o DNA antigo, que a gente acha em fósseis e até, olha só, carregamos em nós hoje, revela sobre a nossa própria história. O que será que define a gente geneticamente como humano moderno? Será que a linha é tão clara assim? Vamos explorar isso olhando para pesquisas bem recentes. E antes de começar, um reconhecimento rápido ao pessoal que faz essa ciência avançar, né?
[00:00:59] Speaker B: Sim, um salve para o Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, para o Karolinska Institute, a Universidade de Uppsala, o Instituto de Ciência e Tecnologia de Okinawa, enfim, todos que estão ajudando a montar esse quebra-cabeça genético. É um trabalho incrível mesmo. Para dar um contexto, os ancestrais dos humanos modernos, nós, e os ancestrais dos Neandertais e Denisovanos, eles seguiram caminhos diferentes lá atrás, coisa de uns 600 mil anos.
[00:01:30] Speaker A: 600 mil anos é muito tempo.
[00:01:33] Speaker B: Muito. Mas eles não sumiram da nossa história. Pelo contrário, eles coexistiram com nossos ancestrais mais diretos, aqui e ali, e rolou troca de genes. Isso até uns 40 mil anos atrás.
[00:01:46] Speaker A: E aí vem a pergunta de um milhão, né? Por que só a nossa linhagem, homo sapiens, vingou e se espalhou pelo planeta todo? O que aconteceu com os outros?
[00:01:55] Speaker B: Exato, e a genética está dando pistas importantes. O DNA antigo que a gente consegue extrair de fósseis, comparado com o nosso DNA atual, ele ajuda a reconstruir essa história. E não é pouca coisa, se legado. Quase todo mundo que tem ancestralidade fora da África Subsaariana carrega aí uns 2% de DNA Neandertal.
[00:02:17] Speaker A: Só 2%? Parece pouco, mas imagino que faça diferença.
[00:02:21] Speaker B: Faz. E em algumas populações da Ásia, da Oceania, a herança denisovana pode ser ainda maior, chegando a mais de 5% em alguns grupos. É a prova viva desses encontros antigos.
[00:02:33] Speaker A: Tá, mas como os cientistas pescam esses fragmentos? Como eles sabem, opa, isso aqui veio de um neandertal?
[00:02:40] Speaker B: Boa pergunta. Funciona assim. Quando houve essa mistura, cromossomos inteiros ou pedaços grandes entraram na nossa população. Só que a cada geração tem um processo chamado recombinação genética.
[00:02:53] Speaker A: Ah, a recombinação que mistura os genes dos pais.
[00:02:56] Speaker B: Isso. Pensa como embaralhar as cartas. A cada geração, esses trechos originais que vieram dos Neandertais ou Denisovanos são quebrados em pedaços cada vez menores.
[00:03:07] Speaker A: Entendi. Então, se hoje a gente encontra um segmento de DNA meio estranho, com variantes típicas deles. E esse segmento é longo, tipo mais de 50 mil bases?
[00:03:20] Speaker B: Exatamente. A chance maior é que ele venha de uma mistura mais recente, digamos, nos últimos 50 mil anos. Porque não deu tempo ainda da recombinação picotar ele demais.
[00:03:31] Speaker A: Faz todo sentido. Um pedaço longo é como um fóssil genético mais recente.
[00:03:36] Speaker B: Precisamente. E o mais legal é que esses pedaços não são só decoração. Eles funcionam. Eles afetam a gente hoje.
[00:03:44] Speaker A: Como assim? Que tipo de efeito?
[00:03:45] Speaker B: Vários. Por exemplo, tem uma variante Neanderthal num gene chamado SCN9A. Esse gene está ligado à percepção de dor. E essa variante específica parece aumentar a sensibilidade à dor.
[00:03:57] Speaker A: Nossa! Quer dizer que a gente pode sentir dor de um jeito um pouco diferente por causa de um gene neandertal?
[00:04:03] Speaker B: Pode ser! Outro exemplo interessante. Uma variante no gene do receptor de progesterona, também herdada de neandertais. Ela parece estar associada a um risco menor de abortos espontâneos no início da gravidez.
[00:04:16] Speaker A: Opa! Isso parece bom!
[00:04:18] Speaker B: Parece! Mas talvez tenha um porém. Alguns estudos sugerem que pode haver uma ligação com um risco um pouquinho maior de parto prematuro. É um trade-off, uma troca evolutiva.
[00:04:30] Speaker A: Entendi. Uma coisa pela outra. E a imunidade? Sempre falam que herdamos genes de defesa deles.
[00:04:37] Speaker B: Sim, essa parte é muito clara. Hirdamos várias variantes ligadas ao sistema imune, como genes que ajudam a reconhecer micróbios, os receptores Toll-like, e tem exemplos bem atuais. Lembra da discussão sobre a Covid-19?
[00:04:52] Speaker A: Lembro. Tinha algo sobre genes neandertais, né?
[00:04:55] Speaker B: Tinha. Uma região no cromossomo 3, herdada de neandertais, foi ligada a um risco bem maior de ter a forma grave da doença. Mas, olha que curioso, outra região, do cromossomo 12, também neandertal, parece proteger contra a forma grave.
[00:05:12] Speaker A: Que complexo! Risco e proteção vindo da mesma fonte ancestral.
[00:05:16] Speaker B: Exatamente. E para complicar um pouquinho mais, aquela mesma região do cromossomo 3 que aumenta o risco para a covid grave, parece oferecer alguma proteção contra o HIV. Mostra como a adaptação a patógenos é uma via de mão dupla e depende do ambiente e dos vírus que estão por aí.
[00:05:33] Speaker A: Fascinante! E dos Denisovanos, tem exemplos também?
[00:05:37] Speaker B: O clássico é o gene EPS1. Uma variante desse gene, muito comum em tibetanos e outros povos que vivem em grandes altitudes, veio dos denisovanos, e ela é fundamental para a adaptação à falta de oxigênio lá em cima.
[00:05:50] Speaker A: Uau! É um verdadeiro mosaico genético que a gente carrega. Mas e o contrário? E os genes que surgiram na nossa linhagem depois da separação? Aqueles que seriam, tipo, exclusivamente modernos?
[00:06:03] Speaker B: Essa é a outra peça do quebra-cabeça. Sim, existem variantes que são muito mais comuns em humanos modernos e raras ou ausentes nos genomas arcaicos que temos.
[00:06:14] Speaker A: E onde elas atuam? No cérebro, talvez? Algo que nos diferencia cognitivamente?
[00:06:21] Speaker B: É uma área de pesquisa intensa. Existem variantes candidatas em genes importantes para o desenvolvimento neural, como KIF18A, QNL1, TKTL1, Alguns estudos sugerem que essas variantes podem afetar, por exemplo, a duração de fases da divisão celular durante a formação do cérebro ou a quantidade de neurones produzidos. Coisas que poderiam, teoricamente, ter impacto nas nossas capacidades.
[00:06:50] Speaker A: Ah, então talvez aí esteja a chave da nossa modernidade. Nesse gênesis.
[00:06:56] Speaker B: Bom, aí que a história fica mais interessante. E um pouco mais complicada.
[00:07:01] Speaker A: Como assim?
[00:07:02] Speaker B: O problema é que muitas dessas variantes modernas, elas não são universais. Nem todo humano moderno tem todas elas. Pega o exemplo do TKTL1. Tem uma versão dele que é considerada moderna, associada a essa possível maior produção de neurones que falamos. Mas a versão ancestral desse gene, a mesma encontrada nos Neandertais, ela ainda existe. E não é rara, não. Em algumas populações atuais, como os Coé-San, no sul da África, essa versão ancestral é bastante comum.
[00:07:34] Speaker A: Peraí, então tem gente hoje andando por aí com a versão Neandertal de um gene supostamente chave para a modernidade cerebral?
[00:07:42] Speaker B: Exatamente. Isso meio que derruba a ideia de que existe um conjuntinho pequeno e fixo de genes que define ser moderno.
[00:07:49] Speaker A: Entendi. Então não é tipo, tem esse gene igual a moderno, não tem igual a arcaico?
[00:07:54] Speaker B: Não parece ser tão simples. O que os dados sugerem é mais uma visão combinatória, sabe?
[00:08:00] Speaker A: Combinatória?
[00:08:01] Speaker B: É. Ser um humano moderno, do ponto de vista genético, talvez seja mais sobre ter a maioria de um conjunto de características genéticas, mas não obrigatoriamente todas elas.
[00:08:12] Speaker A: Como se fosse um checklist, e a maioria de nós marca quase todos os itens, mas ninguém marca todos.
[00:08:18] Speaker B: Isso é uma boa analogia. A modernidade seria o padrão geral que emerge dessa combinação, que é majoritariamente compartilhada, mas com variações individuais e populacionais.
[00:08:29] Speaker A: O que significa que a linha entre nós e eles é bem mais tênue e borrada do que a gente imaginava.
[00:08:38] Speaker B: Muito mais. Se a gente for procurar por diferenças genéticas que separam todos os humanos modernos de todos os neandertais e denisovanos conhecidos, a gente encontra pouquíssimas, talvez nenhuma. Nossa identidade é um mosaico construído ao longo de muito tempo, com peças de várias caixinhas diferentes.
[00:08:58] Speaker A: Isso muda bastante a perspectiva, né? e nos deixa com uma questão para pensar. Se essa nossa modernidade genética não é um bloco único, mas uma combinação que varia, o que será que futuras descobertas vão nos mostrar? Especialmente quando a gente estudar mais a fundo a diversidade genética de populações que ainda são pouco representadas na ciência. Será que essas fronteiras que a gente traça entre nós e os outros tipos de humanos vão ficar ainda mais difíceis de definir? Fica aí a reflexão.
Este episódio foi baseado em um artigo de acenso aberto sob a licença CCBI 4.0. Você pode encontrar um link direto para o artigo e a licença na descrição do episódio. Se achou esta análise valiosa, avalie com 5 estrelas no seu app de podcasts favorito e torne-se membro para receber os episódios antes de todo mundo. Acompanhe também a versão em inglês deste podcast, o Base by Base. Obrigado por ouvir e até o próximo Base por Base.