Episode Transcript
[00:00:14] Speaker A: Bem-vindo ao Base por Base, o podcast que leva descobertas genômicas aonde você estiver. Olha, vamos começar pensando numa coisa aqui. Por que será que, quando a gente ouve falar de avanços médicos baseados em genética, parece que nem todo mundo se beneficia da mesma forma? Sabe, aquela promessa da medicina personalizada às vezes parece que não chega igual para todos.
[00:00:38] Speaker B: Pois é, essa é uma pergunta chave, e a resposta, ou pelo menos parte dela, está no fato de que a pesquisa genômica hoje, ela ainda não abraça toda a diversidade genética que a gente tem no mundo. Existe uma concentração muito grande, principalmente em dados de pessoas de origem europeia.
[00:00:55] Speaker A: E as consequências disso na prática? Quer dizer, se os dados que a gente tem não refletem bem, sei lá, os diferentes tecidos do corpo ou as diferentes ancestralidades, como que isso afeta o desenvolvimento de tratamentos ou mesmo o nosso entendimento das doenças em um nível mais global? A tal da medicina de precisão, dá para ser universal mesmo assim?
[00:01:15] Speaker B: São perguntas cruciais. Essa falta de representatividade, ela limita e muito a nossa capacidade de pegar uma descoberta feita num grupo e aplicar em outro, entende? E claro, limita o desenvolvimento de terapias que funcionem bem pra mais gente. Hoje, a nossa conversa vai mergulhar um pouco mais fundo nisso, baseada no trabalho importante de pesquisadores como Ana Luísa Arruda, Andrew P. Morris e Eleftheria Zeghini, lá do Instituto de Genômica Translacional do Helmholtz, Múnich. Eles investigaram justamente isso, como a gente pode caminhar para mais equidade na genômica humana. E um ponto central do problema está naqueles estudos que a gente chama de estudos de associação genômica ampla, os G.W.A.S. São ferramentas superpoderosas para a gente achar ligações entre variações do nosso DNA e certas doenças ou características.
[00:02:09] Speaker A: Só que... Só que a maioria esmagadora deles usa dados de quem? De europeus, certo?
[00:02:14] Speaker B: Como o artigo mostra bem, Exatamente, a grande maioria. E aí, claro, as descobertas podem não valer ou não ter o mesmo peso para pessoas com outras origens genéticas. E não é só falta de dado, né? Às vezes entra também a questão do engajamento, uma certa desconfiança histórica que algumas comunidades têm com pesquisa. É complexo.
[00:02:33] Speaker A: Faz sentido. E é uma pena, porque imagino que populações com mais diversidade genética, como muitas na África, por exemplo, devem ter chaves importantíssimas para a gente entender doenças complicadas, né?
[00:02:46] Speaker B: Sem dúvida. É uma perda científica mesmo. Essa diversidade maior pode revelar mecanismos que a gente não veria olhando só para populações mais homogêneas.
[00:02:55] Speaker A: E isso já aconteceu? Digo, essa falta de diversidade já levou a gente para um beco sem saída em alguma pesquisa? Ou, ao contrário, levou a uma descoberta que só foi possível por causa de um grupo específico?
[00:03:06] Speaker B: Já temos exemplos claros. Um bem marcante é de um estudo de associação genômica ampla feito em Uganda, olhando a taxa de filtração glomerular estimada, que é um jeito de medir como os rins estão funcionando.
[00:03:19] Speaker A: Ah, sim. Função renal.
[00:03:21] Speaker B: Isso. E esse estudo achou uma associação nova, bem específica das populações africanas, num lugar do genoma chamado GATM. E o interessante é que essa associação está ligada a uma variante genética que é super rara ou nem existe em europeus.
[00:03:36] Speaker A: Nossa, que interessante. Mas achar a associação é só o primeiro passo, imagino. Como é que os cientistas vão entender o que essa variante no GATM faz de verdade no corpo? Especialmente se ela está numa daquelas regiões do DNA que não codificam proteínas diretamente, que são a maioria.
[00:03:52] Speaker B: Exato. Aí que está o pulo do gato, o desafio funcional. Para entender o mecanismo, a gente precisa juntar os achados dos estudos de associação genômica ampla com outros tipos de dados moleculares.
[00:04:04] Speaker A: Tipo o quê, por exemplo?
[00:04:05] Speaker B: Tipo, como os genes estão sendo ligados ou desligados, sabe? A expressão gênica. Ou os níveis de proteínas. Ou até como o DNA está empacotado na célula. A acessibilidade da cromatina. As regiões do genoma que influenciam essas coisas são o que a gente chama de Lossy de Características Quantitativas Moleculares, os QTLs.
[00:04:25] Speaker A: Entendi, QTLs. Então, a ideia é cruzar a informação da associação genética com esses QTLs para ver o que está acontecendo ali. E como se faz essa conexão na prática?
[00:04:35] Speaker B: Isso. Tem algumas técnicas importantes para isso. Uma é a análise de colocalização. É como se a gente tivesse dois sinais num mapa e quisesse ter certeza que eles estão apontando para o mesmo lugar, para a mesma causa raiz, a mesma variante genética.
[00:04:50] Speaker A: Faz sentido.
[00:04:50] Speaker B: E a outra é a randomização mendeliana. Essa é um pouco mais complexa, mas a ideia é usar a própria variação genética que existe naturalmente nas pessoas, como se fosse um experimento, para ver se uma mudança molecular, tipo mais ou menos expressão de um gene, causa mesmo a mudança no risco da doença. Ajuda a separar causa de correlação.
[00:05:12] Speaker A: Ok, entendi as ferramentas. Mas aí a gente volta para o problema inicial, né? Se esses dados moleculares, os GTLs, também vêm na maioria de populações europeias e ainda por cima principalmente de sangue, que é mais fácil de coletar, como fica a análise para aquela variante do GATM lá de Uganda?
[00:05:29] Speaker B: Exatamente. Você pegou o ponto central. Essa é a lacuna gigantesca que o artigo destaca. A falta de dados moleculares de ancestralidades diversas, e tão importante quanto, de diferentes tecidos primários, tipo tecido do rim, do fígado, do cérebro, que são relevantes para as doenças, limita demais o uso dessas técnicas que a gente falou.
[00:05:49] Speaker A: E o quão grande é essa lacuna que o artigo mostra sobre isso?
[00:05:53] Speaker B: Olha, os dados são bem claros e mostram um viés enorme. Os recursos que a gente tem hoje de dados moleculares são na maioria esmagadora de gente de origem europeia. E a fonte principal é sangue.
[00:06:05] Speaker A: Então, voltando para o exemplo do GATM e da função renal em Uganda, isso quer dizer que a gente não consegue entender direito o que essa variante faz? Fica no escuro.
[00:06:12] Speaker B: Basicamente, sim. Com os bancos de dados de locos de características quantitativas moleculares, QTLs, que a gente tem hoje, é muito difícil, quase impossível, estudar a função daquela variante GATM de forma adequada. Como ela quase não aparece em europeus, a gente não tem como ver, nos dados atuais, como ela mexe com a expressão dos genes ou outras coisas nas células do rim, por exemplo. Falta o contexto, entende? O contexto molecular, diverso e específico do tecido.
[00:06:40] Speaker A: E o artigo ainda fala que, mesmo quando tem alguma representação, ela meio falha, né? Tipo, agrupar todo mundo da África como ascendência africana, ou usar dados do leste asiático para representar a Ásia inteira. E mesmo projetos grandes, como o GITECS, que tentam ter diversidade, acabam com pouca gente de cada ancestralidade em cada tecido para fazer uma análise forte.
[00:07:03] Speaker B: Fica muito claro que é urgente, sabe? A gente precisa gerar mais dados moleculares, expressão gênica, proteínas, modificações no DNA, e que esses datos venham de tecidos que são importantes para cada doença, não só sangue. E, claro, que representem de verdade a diversidade de populações no mundo todo. A forma como genes funcionam pode variar bastante de um tecido para outro e de uma ancestralidade para outra.
[00:07:30] Speaker A: E por que esse investimento é tão fundamental?
[00:07:33] Speaker B: Porque é assim que a gente vai conseguir tirar todo o potencial dos estudos de associação genômica ampla do papel e transformar em benefício real para a saúde das pessoas, de todas as pessoas. É um passo que a gente não pode pular se a gente quer mesmo ter equidade na medicina personalizada, na medicina de precisão, sem entender a função dos contextos certos, a gente fica preso.
[00:07:54] Speaker A: Então, o que o trabalho sugere como caminho? Quais seriam os próximos passos?
[00:07:59] Speaker B: Olha, o artigo aponta para algumas coisas importantes. Primeiro, investimento direcionado para gerar esses dados que faltam. Segundo, criar infraestrutura para coletar essas amostras diversas. Isso tem que ser feito junto com as comunidades, de forma ética, claro.
[00:08:15] Speaker A: Fundamental isso.
[00:08:17] Speaker B: Com certeza. E também fortalecer a colaboração internacional. Ninguém faz isso sozinho. E por fim, desenvolver métodos de computador, de bioinformática, que sejam mais espertos para lidar com toda essa complexidade de dados diferentes, de tecidos diferentes, de ancestralidades diferentes.
[00:08:35] Speaker A: Então, a mensagem principal que fica é.
[00:08:37] Speaker B: Que a genômica só vai alcançar todo o seu potencial para a saúde humana quando os dados moleculares, especialmente aqueles de tecidos variados, refletirem de verdade a diversidade global. Superar esse viés que existe hoje não é só algo legal de ter, é essencial para a gente ter justiça e equidade na saúde.
[00:08:56] Speaker A: Deixa a gente pensando mesmo. O que será que essa compreensão mais profunda da regulação dos genes em tantos tecidos e populações diferentes pode significar lá na frente para a gente abordar doenças complexas que afetam comunidades tão diversas? Fica a reflexão. Este episódio foi baseado em um artigo de acesso aberto sobre a licença CCBI 4.0. Você pode encontrar num link direto para o artigo e a licença na descrição do episódio. Se achou esta análise valiosa, avalie com cinco estrelas no seu app de podcasts favorito e torne-se membro para receber os episódios antes de todo mundo. Acompanhe também a versão em inglês deste podcast, o Base by Base. Obrigado por ouvir e até o próximo episódio.